quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Todo cambia

Esta semana fomos a casa de um amigo Chileno para celebrar o seu aniversário com a sua família. Descobri então que todos tinham dotes musicais, ora cantando, ora tocando guitarra, ora acompanhando com bombo, pandeireta e maracas. Tivemos o privilegio de os ouvir interpretar algumas musicas de cantautores sul americanos e, no final da noite, regressamos a casa com o desejo de que a simplicidade feliz daquele momento se repita muitas vezes, sem quaisquer alterações.

Ironicamente, de todas as canções que ouvi, uma - da cantautora Argentina Mercedes de Sosa -  ficou gravada de forma mais permanente na minha memoria.  Chama-se "Todo Cambia".

Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo

Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño

Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Agora descansa

Há alguns anos atrás entrei de urgência no hospital com uma forte dor abdominal. Após alguns exames, os médicos concluíram que se tratava de uma apendicite aguda. Poucas horas depois, já na sala de operações, foi-me dada uma anestesia geral e fui operado.

Acordei uma hora e meia depois numa sala recuperação, onde se encontravam outros pacientes. Lembro-me de nesse momento ter pensado que a hora e meia em que tinha estado inconsciente tinha sido o mais pacífico dos sonos. Lembro-me de ter pensado que aquela hora debaixo da anestesia se assemelhara a outra forma de existir, mais simples e mais leve. Lembro-me de ter pensado que assim é a morte: um sono pacífico, sem complicações, feito de leveza.

Ontem faleceu no instituto de oncologia do Porto um familiar meu. Teve uma morte triste e indigna (por razões que explicarei mais tarde). Resta-me, contudo o conforto de saber que agora está em paz, a viver uma vida simples e leve…

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Game Over!

Há alguns anos tomei a decisão de ir trabalhar para Lisboa. Foi uma decisão pouco pensada, fruto da curiosidade e de alguma necessidade. Talvez por isso mesmo, a saudade da família e dos amigos fazia-me regressar ao Porto com frequência, para passar o fim de semana.

Às sextas-feiras, ao fim da tarde, metia-me no carro (um Opel azul escuro, bailarino, que só a custo subia a serra dos Candeeiros) e fazia-me à estrada, carregando o mais que podia no acelerador. O tráfico era intenso, nervoso e obrigava a atenção redobrada. Eu contava penosamente cada um dos trezentos quilómetros da A1.

Durante estas viagens uma expressão assaltava com regularidade os meus pensamentos: Game Over! Por de trás desta expressão estava a ideia de que chegar vivo ao final da viagem mais não era que uma questão de sorte... que a qualquer momento podia acabar.

Ainda hoje penso assim. Hoje estou vivo e feliz… mas o mérito só ilusoriamente é meu.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Querer menos

O evento chama-se "La Ciudad de Las Ideas" e acontece todos os anos em Puebla, México. Aqui se reúnem algumas das mentes mais brilhantes do planeta para apresentar e debater novas ideias e paradigmas. 

Uma das apresentações de 2011 era sobre o “paradoxo da escolha”. Nesta, o psicólogo Barry J. Schwartz introduziu os conceitos de “maximizadores” e “conformistas”* para distinguir dois tipos de pessoas. As pessoas ditas “maximizadoras” nunca estão contentes com as opções que tomam e procuram sempre mais e melhores alternativas. Estas pessoas ganham mais dinheiro e chegam mais longe na carreira profissional. Por outro lado, vivem mais inquietas e infelizes... As pessoas “conformistas”, pelo contrário, não procuram a melhor opção, mas simplesmente uma que as satisfaça. Tem salários e posições mais baixas, mas são, em geral, mais felizes.

Esta talvez seja só uma ideia antiga vestida de roupas novas. Em todo o caso, é uma ideia brilhante e, como tal, uma ideia a manter viva.


* Em Inglês, maximizers and satisficers

terça-feira, 1 de maio de 2012

Eu e eu mesmo

Em 1948 Piaget desenvolveu a prova das "três montanhas" para testar até que idade as crianças têm uma visão egocêntrica do mundo. Nesta prova as crianças vêem uma maquete com três montanhas de diferentes tamanhos e uma boneca sentada num dos lados. Em seguida é-lhes pedido que seleccionem entre vários desenhos aquele que representa o que a boneca vê. Piaget descobriu que até aos sete anos as crianças seleccionam o desenho que representa o seu ponto de vista.

Em adultos somos capazes de imaginar o que os outros vêem; sabemos que diferentes posições geram diferentes perspectivas. Tudo muda de figura quando se trata de imaginar o que os outros sentem e pensam. Neste caso comportamo-nos muitas vezes de forma egocêntrica e, tal como as crianças de Piaget, imaginamos que os outros pensam e sentem o mundo como nós. Se por um lado este egocentrismo evita a parálise da análise, por outro leva-nos a tomar decisões que rapidamente se convertem, ao olhos dos outros, em más intenções.

terça-feira, 17 de abril de 2012

O enviesamento da confirmação

Em psicologia, o termo "enviesamento de confirmação" identifica a tendência de dar importância a informação que confirme o nosso ponto de vista, em detrimento de informação que suporte outros pontos de vista. Todos gostamos de ter razão e, talvez por isso, todos sofremos deste enviesamento. Acresce que, no dia a dia, nem sempre temos tempo para explorar todas as opções e, no final, acabamos por só ver aquelas que nos facilitam a vida no imediato.

Há, no entanto, outra alturas em que este enviesamento nos é servido numa bandeja. Nestas situações, o enviesamento não é tanto de quem o consome, mas de quem o prepara, e que, por ignorância ou má fé, no-lo serve como sendo a única verdade.

Por exemplo, quando o governo pretende facilitar o despedimento, justifica-se dizendo que as economias mais competitivas são também as mais flexíveis. Fora de análise, contudo, ficam outros factores sem os quais não faz sentido falar de flexibilidade, nomeadamente o dos salários alinhados ao custo de vida.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Geração FF

Recentemente participei numa conferencia onde se abordou as expectativas da geração F enquanto parte da sociedade de consumo. Um dos oradores mostrou um vídeo, onde um grupo de adolescentes explicava de forma tão eloquente como assustadora quais serão as consequências para empresas que não desenvolvam produtos e serviços que respondam às suas necessidades.

Lembrei-me então de A., a filha de dois anos de uns amigos meus. Quando nos encontramos o ano passado, tirei algumas fotografias a A., que ela prontamente quis ver. Quando lhe mostrei a primeira fotografia no ecrã da máquina, ela sorriu e, para meu espanto, deslizou o dedo pelo ecrã para poder ver a fotografia seguinte.

Parece-me a mim que, no Futuro, a geração F será a menor das minhas preocupações; afinal de contas 42% dos utilizadores do facebook têm entre 30 e 49 anos. Preocupa-me mais a geração FF, cuja realidade aumentada lhe fará viver em permanente Fast Forward, e que provavelmente não entenderá que eu não consiga fazer o mesmo.

sábado, 10 de março de 2012

Te cuento un cuento?

Num dos seus livros, Jorge Bucay conta a historia de um homem que compra um par de sapatos dois números abaixo do seu. Ainda na sapataria, calça os sapatos e, com dificuldade, caminha porta fora. Algumas horas depois, já no trabalho, a sua cara encontra-se vermelha e as lágrimas rolam-lhe pelas faces.
- Que se passa? – pergunta-lhe um colega.
- São os sapatos. São dois números abaixo do meu. 
- E então? Por que os usas?
- Pois... é certo que com estes sapatos sofro terrivelmente, mas imaginas o que vou sentir quando chegar a casa e me descalçar? Ah! Que prazer!


Não sei se se trata de um mecanismo biológico, de uma imposição moral ou de uma regra de mercado, que nos faz avançar como espécie, mas nos condena a só apreciar as coisas que nos chegam a custo. Tenho no entanto a sensação que ter prazer nos simples prazeres nos levaria pelo mesmo caminho, mais devagar é certo, mas com muito menos sofrimento.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

É p'ra amanhã

É p'ra amanhã
Bem podias fazer hoje
Porque amanhã sei que voltas a adiar
E tu bem sabes como o tempo foge 
Mas nada fazes para o agarrar


Foi mais um dia e tu nada fizeste
Um dia a mais tu pensas que não faz mal
Vem outro dia e tudo se repete
E vais deixando ficar tudo igual

- António Variações, É p’ra Manhã

Se há algo que me assusta é ver como tempo passa sem que eu passe por ele. Às vezes, é como se o tempo nem sempre fosse feito de horas, e as horas de minutos, e os minutos de segundos. É como se as grandes caminhadas não se fizessem de pequenos passos! E quando é assim, tudo o que vale realmente a pena fazer torna-se enorme, demasiado grande para o tempo que eu tenho disponível… É pr’a manhã!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A parábola do candeeiro de rua

No outro dia li num livro de psicologia cognitiva a seguinte parábola: uma mulher encontra um homem aninhado, à procura de alguma coisa, debaixo de um candeeiro de rua. O homem explica-lhe que perdeu as chaves e ambos começam então à procura. Passado algum tempo a mulher pergunta-lhe onde pensa ele ter perdido as chaves, ao que ele responde “Mais ao fundo da rua no meio dos edificios”. Quando ela lhe pergunta porque procura então naquele canto, ele responde “Porque é aqui que tenho luz”.

Esta parábola, usado no livro noutro contexto, fez-me pensar que talvez seja este o maior desafio que enfrenta a sociedade actual. Estamos perdidos em sitio escuros, mas continuamos a tentar encontrar-mo-nos nos sitios onde há luz. Se não mudarmos isto, que o mesmo é dizer, se continuarmos a pensar e a fazer da mesma forma, se continarmos a usar os mesmos sistemas e as mesmas ferramentas de sempre, talvez nos encontremos perdidos por muito mais tempo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Crer para ver

Aquando das eleições legislativas espanholas assisti a um debate entre o representante do PP e do PSOE. No final fiquei com a clara impressão que o candidato socialista havia sido mais claro e contundente e, portanto, havia ganho o debate. A verdade é que a maioria das sondagens feitas por jornais espanhóis deram o candidato do PP como o vencedor. A diferença entre os dois representantes era tanto maior, quanto mais de direita era a linha editorial do jornal e, em consequência, quando mais de direita eram os leitores.

Não se trata, contudo, de uns estarem certos e outros errados, mas de mais de um caso do fenómeno “crer para ver”. Uns e outros crêem no seu partido e viram no debate o que mais lhes interessava ver: a vitoria do seu candidato. Assim é na politica, assim é no futebol, assim é no dia a dia… Basta ver para crer.